Análise da Obra

O Autor e o Narrador

  • “Em termos de romance moderno brasileiro, representa o ponto mais alto da tensão entre o eu do escritor e a sociedade que o formou.(...) Cada romance é um questionamento novo, que propõe uma linguagem adequada.” ( A..Bosi )
  • Sua obra tem sempre caráter crítico.
  • O herói é sempre problemático: não aceita o mundo, os outros, a si mesmo
  • “O narrador não quer identificar-se ao personagem, e por isso há na sua voz uma certa objetividade de relator. Mas quer fazer as vezes do personagem, de modo que, sem perder a própria identidade, sugere a dele.
  • [...] É como se o narrador fosse, não um intérprete mimético, mas alguém que institui a humanidade de seres que a sociedade põe à margem, empurrando-os para as fronteiras da animalidade. Aqui, a animalidade reage e penetra pelo universo reservado, em geral, ao adulto civilizado” (Antônio
  • Cândido).

 

A Obra e o Estilo

  • Sem predomínio do regionalismo, pois o que interessa é o psicológico.
  • O que seria no romance a paisagem exterior, não aparece muito objetivamente na obra.
  • O autor exprime o ambiente com fidelidade, mas somente em função de seus personagens.
  • A ambiência é um acidente; o personagem é que é a vidaromanesca.
  • A paisagem exterior torna-se uma projeção do homem.
  • Objetivação verbal - linguagem sem adorno.
  • Temas que exploram o tenso e profundo.
  • A leitura não corre porque é interrompida pela pontuação, técnica que reflete na vida da personagem, onde a vida nãobflui: está entrecortada pela necessidade de resolver o problema da sobrevivência.

 

Personagens

 

FABIANO – vaqueiro rude e lacônico. É o chefe da família dos retirantes. O nome do personagem já indica rusticidade e rudeza (o Dicionário Aurélio dá como sinônimos possíveis da palavra fabiano: “indivíduo inofensivo; pobre-diabo”).

SINHÁ VITÓRIA – mulher de Fabiano. É um pouco mais dotada de conhecimentos do que o marido, pois ainda consegue, por meio de métodos rústicos, fazer contas. Humilde, seu maior sonho é ter uma cama igual à do Seu Tomás da Bolandeira.

O MENINO MAIS VELHO E O MENINO MAIS NOVO – filhos do casal. Por não terem o nome citado pelo narrador, os dois personagens acabam sendo caracterizados por causa dos pais. Essa falta de pessoalidade no tratamento é eloquente, pois batiza os garotos com a impessoalidade.

BALEIA – personagem curiosa. É a cadela da família, que, no meio de personagens animalizados – zoomorfizados –, acaba por sofrer o processo inverso, de humanização – ou antropomorfização. Baleia, assim, demonstra um comportamento humano em muitas passagens, sobretudo no momento de sua morte.

SEU TOMÁS DA BOLANDEIRA – por votar e ser alfabetizado, é o modelo de erudição e de conhecimento dos demais personagens.

O SOLDADO AMARELO – antagonista mais direto de Fabiano, representa, assim como o fiscal da prefeitura e o dono da fazenda, a opressão do poder institucional.

Análise Capítulo por Capítulo

Capítulo 1 - Mudança

 

É a história da retirada de uma família, fugindo da seca. Fazem parte dela Fabiano, sua esposa Vitória, dois filhos, caracterizados pelo autor apenas como " menino mais novo" e "o menino mais velho", e a cachorra Baleia (deve-se lembrar que o romance fala em seis viventes, contando com o papagaio que eles comeram por não haver comida por perto). Nesse capítulo temos a descrição da terra árida e do sofrimento da família. As personagens não se comunicam; apenas duas vezes o pai, irritado com o menino mais velho, xinga-o. Essa falta de diálogos permanece por todo o livro, como também a intenção de não dar nome às crianças, para caracterizar a vida mesquinha e sem sentido em que vivem os retirantes, que não têm consciência de sua situação, embora, ainda nesse primeiro capítulo, Fabiano e Vitória sonhem com uma vida melhor: "Sinhá Vitória, queimando o assento no chão, as moas cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão.

Mais adiante é Fabiano quem sonha: "Sinhá Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara murcha de sinhá Vitória remoçaria, as nádegas bambas de sinhá Vitória engrossariam, a roupa encarnada de sinhá Vitória provoca ria a inveja das outras caboclas ... e ele, Fabiano, seria o vaqueiro, para bem dizer seria o dono daquele mundo... Os meninos se espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores. A caatinga ficaria verde.

Capítulo 2 - Fabiano

Mostra o homem embrutecido, mas ainda capaz de analisar a si próprio. Tem a consciência de que mal sabe falar, embora admire os que sabem se expressar. E chega à conclusão de que não passa de um bicho.

Capítulo 3 - Cadeia

Aqui, pela primeira vez, aparece a figura do soldado amarelo, que mais tarde voltará simbolizando a autoridade do governo. Igualmente, pela primeira vez, insinua-se a idéia de que não é apenas a seca que faz de Fabiano e sua família pessoas animalizadas. Ele é preso sem qualquer motivo e toma a analisar sua situação de homem-bicho. Só que, desta vez, não tem mais coragem de sonhar com um futuro melhor. Ao fim do capítulo, temos Fabiano ciente de sua condição de homem vencido e, pior ainda, sem ilusões com relação à vida de seus filhos.

Capítulo 4 - Sinhá Vitória

Se as aspirações do marido resumem-se em saber usar as palavras adequadas a uma situação, a de Vitória é uma cama de couro. Também essa cama será motivo diversas vezes repetido no decorrer da obra, como veremos adiante. Além de ser a personagem que melhor articula palavras e expressões, conseqüência de ser talvez a que mais tem tempo para pensar, uma vez que Fabiano trabalha o dia todo e à noite dorme, sem ter coragem para devaneios ou para falsear sua dura realidade, ela é caracterizada como esperta e descobreque o patrão rouba nas contas do marido (no capítulo Contas).

Capítulo 5 - O Menino Mais Novo

Também ele possui um ideal na vida: o de se identificar ao pai. No início do capítulo: "Naquele momento Fabiano lhe causava grande admiração."

Adiante: "Evidentemente ele não era Fabiano. Mas se fosse? Precisava mostrar que podia ser Fabiano."

Em seguida: "E precisava crescer ficar tão grande como Fabiano, matar cabras à mão de pilão, trazer uma faca de ponta na cintura. Ia crescer espichar-se numa cama de varas, fumar cigarros de palha, calçar sapatos de couro cru."

E finalmente: "Ao regressar, apear-se-ia num pulo e andaria no pátio assim, torto, de perneiras, gibão, guarda-peito e chapéu de couro com barbicocho. O menino mais velho e Baleia ficariam admirados."

Capítulo 6 - O Menino Mais Velho

"Tinha um vocabulário quase tão minguado coma o da papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações e de gestos, e Baleia respondia com o rabo, com a língua, com movimentos fáceis de entender Todos o abandonavam, a cadelinha era o único vivente que lhe mostrava simpatia." O nível das aspirações dos componentes da família decresce cada vez mais. O ideal do menino mais velho é o de ter um amigo. A amizade de Baleia já lhe servia: "O menino continuava a abraçá-la. E Baleia encolhia-separa não magoá-lo, sofria a carícia excessiva."

Capítulo 7 - Inverno

Temos a descrição de uma noite chuvosa e os temores e devaneios que desperta na família de Fabiano. A chuva inundava tudo, quase inundava a casa deles também, mas eles sabiam que dentro em pouco a seca tomaria conta de suas vidas outra vez.

Capítulo 8 - Festa

Apresenta primeiramente os preparativos da família, em casa, para ir à festa de Natal na cidade e, em seguida, dirigindo-se à festa. É, senão o mais, um dos mais melancólicos capítulos do livro — quando as personagens centrais da história, em contato com outras pessoas, sentem-se mais humilhadas, mesquinhas e ate mesmo ridículas. Percebem a distância em que se encontram dos demais seres e isso é novo motivo de humilhação para eles. Resta a sinhá Vitória a solução do devaneio: "Sinha Vitória enxergava, através das barracas, a cama de seu Tomás da bolandeira. unia cama de verdade."

Para Fabiano, não há esperanças: "Fabiano roncava de papo para cima... Sonhava agoniado... Fabiano se agitava. soprando. Muitos soldados amarelos tinham aparecido, pisavam-lhe os pés com enormes retinas e ameaçavam-no com facões terríveis."

Capítulo 9 - Baleia

Conta a morte da cachorra. Caíra-lhe o pêlo, estava pele e ossos, o corpo enchera-se de chagas. Fabiano resolve matá-la para aliviar os sofrimentos dela. Os filhos percebem a situação, magoados e feridos por perderem um “irmão”: "Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam..."

Já ferida, com os demais membros da família chorando e rezando por ela, Baleia espera a morte sonhando com outro tipo de vida: "Baleia queria dormir Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano. um Fabiano enorme. As crianças se esposariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás gordos, enormes."

Percebe-se, aliás, que dos seis componentes da família, Baleia é quem, ao lado de Vitória, com maior clareza, consegue elaborar seus devaneios.

Capítulo 10 - Contas

É outro capítulo melancólico. Se em Cadeia Fabiano conscientiza-se de que há no mundo homens que, por possuírem uma posição social diferente da dele, podem machucá-lo, se emFesta os familiares percebem sua situação inferior e desajeitada e sentem-se ridículos, agora chegam à conclusão de que pessoas com dinheiro também podem aproveitar-se deles. São duas as reações de Fabiano ao notar-se roubado pelo patrão: primeiro revolta, depois descrença e resignação. Vale a pena ressaltar nesse capítulo que é sinhá Vitória quem percebe que as contas do patrão estão erradas. Ela é caracterizada como a mais arguta e perspicaz dos seis viventes da família.

Capítulo 11 - O Soldado Amarelo

Temos uma descrição mais profunda desta personagem. Observa-se que, fisicamente, é menos forte que Fabiano; moralmente é uma pessoa corrupta, enquanto Fabiano é honesto; contudo é por ele respeitado e temido, por ocupar o lugar de representante do governo.

Capítulo 12 - O Mundo Coberto de Penas

A seca está para chegar outra vez, prenunciando mais miséria e sofrimento. Fabiano faz um resumo de todas as desgraças que têm marcado sua vida. Há muito não sonha mais. Seus problemas agora são livrar-se de certo sentimento de culpa por ter matado Baleia e fugir de novo.

Capítulo 13 - Fuga

Continua a análise de Fabiano a respeito de sua vida. A esposa junta-se a ele e refletem juntos pela primeira vez. Vitória é mais otimista e consegue transmitir-lhe um pouco de paz e esperança por algum tempo. E numa mistura de sonhos, descrenças e frustrações termina o livro. Graciliano Ramos transmite uma visão amarga da vida dos retirantes
 

Sobre o Título

O título da obra, se analisado corretamente, dará pistas importantes da mensagem que Graciliano quer passar: "Vidas" se opõe a "Secas" pois a primeira tem sentido de abundância, enquanto, a segunda, de vazio, de falta, configurando um paradoxo (ou "oxímoro", oposição de ideias resultando em uma construção de sentido ilógico). Além disso, denotativamente, o adjetivo "secas" se refere a "vidas", e, dessa forma, teria o sentido de que a família sofre com a seca. Por outro lado, conotativamente, pode-se relacionar aquele adjetivo a uma vida privada, miserável.

O romance originalmente se chamaria "O Mundo Coberto de Penas", título do penúltimo capítulo, em referências às penas negras dos corvos cobrindo o chão seco. O texto original está grafado assim. Porém o próprio Graciliano Ramos riscou o título original e escreveu à mão "Vidas Secas".

Período Literário - 2ª Fase do Modernismo

Romances caracterizados pela denúncia social, verdadeiro documento da realidade brasileira, atingindo elevado grau de tensão nas relações do eu com o
mundo. Uma das principais características do romance brasileiro é o encontro do escritor com seu povo. Há uma busca do homem brasileiro nas diversas regiões, por isso o regionalismo ganha importância, com destaque às relações do personagem com o meio natural e social.
Os escritores nordestinos merecem destaque especial, por sua denúncia da realidade da região pouco conhecida nos grandes centros. O 1° romance
nordestino foi A Bagaceira de José Américo de Almeida. Esses romances retratam o surgimento da realidade capitalista, a exploração das pessoas,
movimentos migratórios, miséria, fome, seca etc

A segunda fase do Modernismo no Brasil (1930/ 1945) representa um amadurecimento e um aprofundamento das conquistas da geração de 1922. É
freqüentemente dividida em dois momentos. De um lado, há prosadores como Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, Jorge Amado, entre outros, que tratam de temas sociais, a exploração do homem no campo, o problema da terra, a miséria — compondo a ficção regionalista. De outro, há romancistas como José Geraldo Vieira, Cornélio Pena, Lúcio Cardoso e o próprio Cyro dos Anjos, que produzem o chamado romance introspectivo ou intimista.

 

Vidas Secas, O Filme

 

Vidas secas é um filme brasileiro de 1963, do gênero drama, dirigido por Nelson Pereira dos Santos, baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos.
Foi o único filme brasileiro a ser indicado pelo British Film Institute como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca. Neste filme fica perceptível a influência marcante do neo-realismo italiano na obra do diretor Nelson Pereira dos Santos.

Sinopse

Pressionados pela seca, uma família de retirantes composta por Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia, atravessam o sertão em busca de meios para sobreviver.

 

Se você se interessou e quer assistir o filme, acesse:

filmesfree.tv/vidas-secas.html